A força da perícia técnica nos tribunais


Entenda por que a análise baseada em evidências é uma ferramenta essencial para decisões justas na Justiça brasileira e como ela pode mudar o rumo de um processo


Em um país com mais de 80 milhões de processos em andamento na Justiça, segundo dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a busca por decisões mais justas e fundamentadas depende, cada vez mais, da atuação de especialistas além da esfera jurídica. Nesse contexto, a perícia técnica – tanto judicial quanto extrajudicial – vem ganhando protagonismo. Ainda pouco conhecida do público leigo, essa ferramenta é responsável por traduzir tecnicamente situações complexas, oferecendo subsídios para que juízes e advogados possam tomar decisões com base em evidências concretas, especialmente em casos que envolvem áreas como engenharia, saúde, finanças, tecnologia, meio ambiente, entre outras.


A perícia técnica é uma análise detalhada feita por um profissional especialista, com o objetivo de responder a dúvidas técnicas levantadas em processos judiciais. Ela pode ser determinada pelo juiz (perícia judicial), requerida por uma das partes, ou realizada de forma preventiva, antes mesmo do início de uma ação (perícia extrajudicial). A atuação desse profissional é decisiva para esclarecer aspectos que o Direito, por si só, não consegue abarcar. “Cada vez mais o Judiciário lida com temas altamente especializados. A perícia traduz essas questões para que possam ser compreendidas e analisadas à luz do Direito”, explica a advogada Leticia de Almeida Pepe, sócia da Acesso Perícias, empresa especializada em assessoria pericial.


Engana-se quem pensa que a perícia só é necessária em grandes causas. Ela pode ser solicitada em situações corriqueiras, como ações trabalhistas que envolvem insalubridade ou acidente de trabalho; processos de família em que há partilhas de bens; conflitos em obras e construções civis; disputas previdenciárias que dependem da comprovação de tempo de contribuição ou de exposição a agentes nocivos; revisões contratuais; além de casos que exigem avaliação de danos materiais, perícias médicas ou contábeis. “A perícia não é opinião: é análise técnica baseada em normas, parâmetros e evidências. E isso é o que garante sua relevância no processo. O juiz decide, mas muitas vezes é a perícia que mostra o caminho”, destaca a advogada Jamile Trosdolf Aidar, também sócia da Acesso.


Além do perito nomeado pelo juiz, as partes envolvidas no processo têm o direito de indicar seus próprios assistentes técnicos. Esses profissionais acompanham o trabalho do perito oficial, elaboram pareceres complementares e, quando necessário, contestam conclusões técnicas que possam comprometer o direito do seu cliente. A atuação do assistente técnico é estratégica e pode fazer diferença no resultado do processo. “Nem sempre o laudo oficial é suficiente ou está livre de falhas. O assistente técnico qualificado pode apontar omissões, propor quesitos complementares e fazer a ponte entre o Direito e a técnica”, explica Jamile. Leticia reforça: “O contraditório técnico é um direito das partes. Um assistente bem preparado pode apontar equívocos e propor correções que preservam o equilíbrio do processo”.


Com a crescente complexidade dos processos judiciais, cresce também a necessidade de um Judiciário mais técnico, capaz de dialogar com a realidade concreta por meio da interpretação qualificada dos fatos. E isso passa diretamente pela valorização das provas técnicas. Para Leticia, a Justiça hoje é, necessariamente, multidisciplinar. “As decisões judiciais precisam dialogar com a realidade, e a perícia é um dos principais instrumentos para que isso aconteça com responsabilidade”, afirma.


Outro ponto que merece destaque é o uso da perícia fora do ambiente judicial. Muitas empresas e escritórios de advocacia têm recorrido à perícia extrajudicial como forma de prevenir litígios, orientar estratégias jurídicas e embasar acordos. “Essa é uma tendência que vem ganhando força. Muitas vezes, um parecer técnico claro e bem fundamentado pode evitar a judicialização e facilitar uma negociação equilibrada entre as partes”, ressalta Leticia.


Apesar da sua importância crescente, a perícia técnica ainda enfrenta desafios. A formação de profissionais preparados, a escassez de especialistas em algumas áreas e a falta de familiaridade de muitos operadores do Direito com os aspectos técnicos da prova pericial são entraves que precisam ser superados. “É necessário incentivar uma formação técnica aliada à compreensão do funcionamento processual. E também aproximar advogados e especialistas. Um não substitui o outro — eles se complementam”, defende Jamile.


As sócias da Acesso Perícias acreditam que a resposta está na formação multidisciplinar, no incentivo à atuação extrajudicial e na valorização de empresas que oferecem suporte técnico qualificado desde a fase inicial dos processos. “A Justiça não pode ser baseada apenas em palavras e interpretações. É preciso entender o mundo real. E, nesse cenário, a perícia técnica não é um acessório, é um pilar”, conclui Leticia.

Em um cenário cada vez mais desafiador e técnico, a perícia deixa de ser coadjuvante e se torna peça central para garantir que a verdade dos fatos prevaleça nos tribunais. Seu valor está na precisão, na neutralidade e na capacidade de traduzir com objetividade questões que, muitas vezes, definem o rumo de uma sentença. Por trás de muitas decisões acertadas, há quase sempre um bom laudo técnico. E, com ele, a justiça encontra o seu caminho.


Fotos: Divulgação e Freepik

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